Conto: Escrava da ilusão - Capítulo 3 de 7

By | sexta-feira, outubro 07, 2011 Leave a Comment

Maria foi para a Europa sozinha e sem grana. Começa agora o terceiro capítulo. (Capítulo 3)


'Numa sala minúscula, a velha me fez desfilar. Enquanto isso, anotava todas as minhas medidas. As que eu não sabia, ela mesma checava com uma fita métrica. Não gostei nada do jeito como me apalpava, mas engoli em seco. Mesmo assim, estava empolgada com a ideia de morar fora do país e muito disposta a bancar aquele sonho. 
Quando, finalmente, perguntei do que se tratava o trabalho, a mulher acendeu um cigarro e sacou um riso sarcástico de seus lábios cobertos por batom vermelho reluzente. "Querida, você vai trabalhar numa boate como dançarina. Tudo o que terá que fazer é dançar... e só!", respondeu, olhando firme nos meus olhos. Então, se aproximou novamente de mim, a uma distância que me incomodou. "Você gosta de funk, samba ou axé?, falou, de repente. Eu disse que ouvia músicas desses gêneros, mas que não sabia direito como dançá-las. "Você vai aprender tudinho lá!", devolveu. 
Quando contei à D. Alba sobre o novo emprego, ela me olhou preocupada. "Maria, essas coisas não são boas! Trabalhar longe de casa e com gente desconhecida pode ser perigoso, filha!", aconselhou. Ela tinha razão, mas eu não queria mais ser doméstica. Naquela noite, decidi: nada me impediria de viajar. No outro dia, voltei ao escritório para assinar os papéis. 
Nas semanas seguintes, entreguei documentos e algumas fotos 3 x 4. Um rapaz com cara de poucos amigos pegou os papéis e apareceu três dias depois com meu passaporte. Tudo acontecia muito rápido e eu me sentia estranha: ao mesmo tempo em que queria muito ir, estava amedrontada. 
"Maria, você embarca amanhã para Portugal. O Jorge, o rapaz que pegou seus documentos, irá levá-la ao aeroporto. Em Lisboa, um senhor chamado Benito irá recebê-la no desembarque!", falou. 
No meu último encontro com a agenciadora, ela me deu instruções do que devia falar na imigração e até como me vestir para não ter problemas na entrada do país. Tudo parecia correto; só um detalhe me chamou a atenção: eles não tinham me dado dinheiro algum como adiantamento. "O Benito cuidará disso lá: da grana, do alojamento, de tudo...", disse a velha com certa ironia. 
Enquanto entrava pela primeira vez num avião, só pensava em mamãe. Tinha certeza de que ganharia muito dinheiro e mandaria para ela lá nos confins do sertão. Meu sucesso também a faria perdoar minha fuga. Trêmula, sentei na poltrona, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. 
Muito tempo depois, abri meus olhos. Uma aeromoça me chacoalhava de modo grosseiro. Apontou para o corredor e vi todos saindo do avião: havíamos aterrissado em Lisboa! Lentamente, saí da aeronave e fiz tudo o que me foi orientado. Na imigração, o guarda me secou da cabeça aos pés, mas, ao ler a carta que eu havia levado, logo me liberou. Antes, porém, comentou baixinho com o colega do balcão: "Outra vagabunda brasileira a ganhar dinheiro em nossas terras!". Aquilo me fez chorar pela primeira vez em solo europeu. As primeiras de muitas lágrimas que deixaria naquele país. '

CAPÍTULOS DO CONTO - ESCRAVA DA ILUSÃO:



  • Capítulo 1 - Escrava da Ilusão
  • Capítulo 2 - Maria conhece D. Alba
  • Capítulo 3 - A moça embarca para Portugal
  • Capítulo 4 - Maria é recebida com hostilidade em Portugal
  • Capítulo 5 - A dançarina sai com um rapaz
  • Capítulo 6 - Maria foge do pais
  • Capítulo final - Maria volta ao Brasil
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