Vício em sexo: transtorno precisa ser bem avaliado e pode encobrir problemas no relacionamento

By | quinta-feira, julho 01, 2010 Leave a Comment

Foi notícia em todo o mundo. Tiger Woods, uma lenda do golfe, veio a público se desculpar pelos casos extraconjugais que abalaram seu casamento. Fez isso e, de acordo com a revista People, especializada em celebridades, voltou para uma clínica de reabilitação no Arizona (EUA), para tratar seu vício em sexo. Mas até que ponto casos de infidelidade podem ser fruto de uma compulsão sexual?
“As pessoas precisam tomar cuidado na hora de tornar patológico todo tipo de comportamento. Na maioria das vezes, os casos de infidelidade são relativos a problemas pessoais ou do relacionamento no casamento, não necessariamente a uma patologia”, avisa Liliana Seger, psicóloga especializada em sexualidade e pesquisadora ligada ao Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (AMITI) do Instituto de Psquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP .
“É preciso ter muita atenção na hora do diagnóstico desse tipo de transtorno. Muitas vezes o comportamento pode não ser de um viciado em sexo, mas de alguém que introjetou essa ideia, que ‘resolveu’ que é viciado em sexo”, salienta Maria Olímpia Jabur Saikali, psicóloga clínica cuja especialidade é a terapia familiar e de casal. Maria Olímpia diz que tanto os homens quanto as mulheres que têm relacionamentos fora do casamento têm de primeiro relativizar o que está acontecendo dentro da relação do casal. “Dizer que é vício, que ‘é mais forte do que eu’, é a saída fácil para fugir dos problemas”, enfatiza.
“As pessoas podem simplesmente não estar bem, muitas vezes insistindo em uma relação falida. Ter o desejo fora da relação nem sempre é sinal de patologia, propriamente dita, mas de algo que não está de acordo com seus sentimentos. Mas isso também não deve ser usado como justificativa para romper os acordos conjugais – como a fidelidade – de forma unilateral”, diz Maria Olímpia.
Comportamento compulsivo
A compulsão sexual, em geral, envolve uma dificuldade no controle e da regulação afetiva, deixando o sujeito vulnerável a afetos dolorosos – que causam sofrimento físico e psíquico – e à instabilidade emocional. A pessoa precisa ter prazer imediato e assim não consegue avaliar conscientemente as consequências negativas dos atos.
O indivíduo, com esse tipo de características compulsivas, sente-se muitas vezes frágil e acaba desesperadamente buscando algo externo, seja uma droga, um objeto ou, no caso do viciado em sexo, uma sensação corporal, que possa lhe dar a impressão de bem-estar.
Identificando a compulsão
De acordo com a psicóloga Liliana, é possível definir a compulsão sexual por meio de alguns critérios:
• Comportamentos sexuais exacerbados (repetitivos e muito frequentes): que causam sofrimento e prejuízos e, importante, manifesto nos últimos 12 meses;
• Ritual de busca: gasta muito tempo e energia em atividades para obter sexo, tem prejuízo nas atividades sociais, ocupacionais e recreativas, e continua o comportamento mesmo tendo consequências adversas;
• Duração longa e intensidade crescente do comportamento: precisa cada vez mais para obter o mesmo nível de satisfação;
• Crises de abstinência sexual: se quando a pessoa evita se envolver em práticas sexuais ela passa a ter sintomas físicos e/ou psíquicos que se relacionam com essa abstinência (algo similar, porém não idêntico, ao que acontece com dependentes químicos).
“Se o indivíduo apresentar pelo menos três desses aspectos, isso já se caracteriza como compulsão sexual”, explica a especialista. Mas ela lembra que é preciso avaliar outros pontos importantes. “Primeiro avaliar se há o envolvimento exacerbado em busca de sexo e práticas sexuais diversas. E se a atividade sexual é vista como fora de controle e prejudica a vida familiar, social e ocupacional.”
Fases
A compulsão sexual geralmente se caracteriza por algumas fases, mais ou menos distintas. Primeiro o indivíduo fica pensando em sexo, tem ideias sobre objetos sexualmente estimulantes. Depois, inicia uma rotina que leva a uma excitação frequente e, então, passa a não conseguir parar de pensar até conseguir satisfazer-se. “Essas pessoas não conseguem interromper o pensamento até ter a satisfação. E depois de ter essa satisfação, elas podem se sentir mal consigo mesmas, revisitando sentimentos de remorso”, pontua Liliana. Isso pode gerar um ciclo vicioso, em que os sentimentos ruins levam à procura de algo que lhes dê satisfação, reiniciando o processo.
Com o passar do tempo, a frequência dos episódios aumenta assim como a crescente perda da sensação de prazer. “Isso causa um aumento do sentimento de angústia”, explica Seger. “É possível que o indivíduo comece uma busca compulsiva por novos parceiros (múltiplos parceiros), masturbação compulsiva, assistir filmes (internet) constantemente ou frequentar salas para prática de sexo virtual, por exemplo”.
O pensamento fica presente o tempo todo, é quase uma prisão, onde a vida tem um objetivo único e todo o restante gira em torno de um tema, um único pensamento: sexo e prazer sexual.
Tratamento nem sempre exige internação
O tratamento varia dependendo do momento da procura e do grau de comprometimento do indivíduo. “Se estiver associado a comportamentos sexuais de risco, como sexo sem preservativo – que aumenta a possibilidade de contrair uma doença sexualmente transmissível, como a Aids – ou estiver associado ao consumo de drogas, o problema pode exigir internação”, diz a especialista.
Normalmente, o mais indicado é o tratamento multidisciplinar. Para definir uma medicação adequada (quando necessária), normalmente um psiquiatra é chamado para acompanhar o caso. “Alguns pacientes têm medo de perder a libido com os fármacos, mas é importante lembrar que a medicação é dada com cautela para causar alívio da compulsão, sem eliminar o desejo sexual”, observa Seger.
O outro lado do tratamento se dá pela terapia cognitivo-comportamental, para que os indivíduos aprendam a lidar com seus maiores temores. Liliana alerta que “em geral são medo da intimidade, medo da perda do controle e medo da solidão que, se não tratados, aumentam a probabilidade da instalação da compulsão”.
A especialista também observa que infelizmente alguns pacientes só procuram tratamento quando a família interfere, ou quando a situação já foi ao limite – há perda de emprego, final de um casamento ou de um relacionamento –, ou seja, quando a compulsão já está nitidamente fora de controle.
“A família muitas vezes também precisa de tratamento, pois acaba sendo codependente, isto é, acaba controlando o dependente, não permitindo – ou não admitindo – muitas vezes que as consequências estão evidentes e, com isso, impedem que ele também se perceba e assuma as consequências negativas do comportamento e, assim, acabe por procurar ajuda”, diz Liliana. A superproteção é uma forma de negação, completa a especialista. É preciso auxiliar a pessoa a procurar um especialista e não ficar tentando impedir que as consequências apareçam. “Esquivar-se do problema não ajuda, definitivamente”, finaliza.
por Enio Rodrigo/oqueeutenho.uol.com.br

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