Casais que optam pela adoção precisam estar preparados para assumir responsabilidades em longo prazo e saber que os possíveis problemas enfrentados no futuro, muitas vezes, não dizem respeito às crianças adotadas, mas às circunstâncias as quais toda a família pode estar participando.
“Esses casais, primeiramente, devem ter a certeza do que os leva ao ato de adoção. Diversos casais sabem exatamente o que querem, mas outra parte muitas vezes inicia um processo a partir de um sentimento de perda”, diz Sylvia van Enck, psicóloga clínica especialista em Terapia Familiar e de Casal. Entre esses sentimentos, explica, estão o fato de terem passado por uma tentativa de fertilização artificial malsucedida, a descoberta da esterilidade de um dos cônjuges ou mesmo a morte de um filho (e o desejo de não engravidar novamente).
“É importante que esses casais conversem sobre essas frustrações e tenham claros os motivos da adoção”, diz Sylvia. A psicóloga lembra que a adoção é mútua. Ambos, crianças e pais adotivos, se comprometem emocionalmente. A partir daí são uma família.
“E como em todas as famílias, existem problemas, sempre”, brinca Sylvia. O que pode acontecer, explica, é que muitas vezes alguns problemas simples ganham proporções mais dramáticas, pois a sensibilidade familiar é maior por conta da questão da adoção.
“Se a criança tem um problema na escola – coisa comum entre os adolescentes, por exemplo – os pais podem pensar que pode ser algo relacionado com o fato da criança ter sido adotada. Outras vezes o casal consegue finalmente engravidar e os gestos de ciúmes, que são normais na maioria das crianças, são interpretados como uma crise familiar de proporções catastróficas”, exemplifica Sylvia, e reforça “nem sempre é tudo isso.”
Mas existem crises que podem realmente trazer algo negativo para a relação familiar. “Existem casos em que o sentimento de rejeição que a criança sente é genuíno. Os pais podem não vencer uma resistência inicial de distância e acabarem não se tornando próximos, íntimos, daquela criança. Não se sentindo querida, ela acaba tornando-se agressiva e isso reforça essa distância, virando um círculo vicioso. Se não for quebrado, pode levar a uma situação insustentável para pais e filhos”, alerta a especialista.
Contar ou não contar?
Sylvia observa que muitos pais de crianças adotadas preferem não contar para os filhos sobre a adoção. Em diversos casos existe o medo, dos pais, de serem rejeitados. “Esses pais acham que se contarem, o filho adotivo pode querer ir atrás da família biológica e deixá-los para trás.”
Mas há famílias que têm motivos mais complexos. “O clichê ‘segredo de família’ é real”, diz Sylvia. “Alguns pais podem ter um histórico dramático, sofrido. Eles escondem o fato mais para se proteger do que necessariamente esconder ou prejudicar os filhos. Outras vezes eles acham que os filhos sofreriam mais ouvindo a verdade do que não contando. Nunca é por maldade.”
A psicóloga lembra, entretanto, que a verdade normalmente acaba aparecendo. E esse tipo de atitude pode ser vista, pelos filhos, como algo imperdoável. “Não dá pra achar que um segredo assim possa ser escondido para sempre. Qualquer problema de saúde dos pais ou do filho, uma briga em que alguém da família resolve falar algo ou fatores diversos e incontroláveis podem levar o indivíduo adotado a saber a verdade.”
Sylvia explica que as reações diferem de pessoa para pessoa, mas que todos passam por uma fase de negação e de revolta, com o sentimento nítido de terem sido criados num ambiente de mentiras. O processo de aceitação, nesses casos, é longo e dolorido. Os filhos adotados podem desenvolver atitudes agressivas e os pais, sentindo-se culpados, podem agir compensatoriamente, deixando de impor limites. Outras vezes pais ou filhos entram em um processo depressivo.
Claro que essas são situações extremas. De qualquer maneira, quando se chega nesse ponto, é necessário que a família procure um especialista, afirma Sylvia. É preciso sentar e conversar a respeito, resolver os problemas e ir em frente. E sempre lembrar que problemas, afinal, toda família tem.
por Enio Rodrigo/OQUEEUTENHO.UOL.COM.BR
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